COMPROMETA-SE : um papo de pai para pai sobre estimulação visual

Estimulação visual é nosso único remédio e esperança. Costumo chama-la de nossos #diasdeluta em busca de #diasdegloria e posso AFIRMAR, uma coisa é consequência da outra.

Se você é mãe ou pai de um baixa visão COMPROMETA-SE de corpo, alma e coração a esta tarefa. Você tem dos 0 a 7 anos de idade (maior período de desenvolvimento de 0 a 3 anos ) de plena e espetacular plasticidade cerebral para ajudar seu filho a desenvolver, não só habilidade visual com o resíduo que lhe sobrou, mas também, gosto de acreditar, a ter ganho visual.
Eu sei que nem sempre é fácil, que muitas vezes você precisa lidar com impaciência e incômodo da criança, com seus próprios dias de cansaço e tristeza, mas respire fundo, é tudo uma questão de tempo para os primeiros resultados aparecerem.

 

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Fantoches de dedo: em nossas primeiras consultas, lembro da médica mostrando diversos para o Miguel e NENHUMA reação. Zero interesse ou percepção.

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A habilidade visual que pode alcançar uma criança com baixa visão não se relaciona necessariamente com o tipo e grau de perda visual. Podemos encontrar duas crianças com problemas visuais semelhantes, mas com funcionamento visual  muito diferente em cada caso, dependendo do grau de estimulação que foi aplicado a cada um. Pra entender bem: uma criança  pode ter muito resíduo visual , mas comportamento de cego se não estimulada.
A habilidade visual pode ser desenvolvida com um programa sequencial de exigências visuais, e a isto chamamos ESTIMULAÇÃO VISUAL.

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É durante seu programa de estimulação que você se confronta com a realidade da deficiência, quando você entra numa instituição de apoio ou reabilitação, sua nova jornada se materializa de forma muito impactante. Lembro ainda de quando entrei pela primeira vez na ACIC –Associação Catarinense para Integração do Cego – ACIC  e do turbilhão de emoções que senti, para falar a verdade, toda vez eu sinto, porque você nunca sabe o que esperar.
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Já passamos por muitas fases: partimos de praticamente nenhuma percepção de objetos e rostos, depois dificuldade muito grande de enxergar em curtas distâncias, depois dificuldade de profundidade, depois uma deficiência maior  e estrabismo divergente no olho direito, depois muita dificuldade para perceber feições. E seguimos na luta, superando cada uma dessas dificuldades.

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É durante os programas de estimulação que você observa com atenção os sinais visuais que a criança dá e então vai direcionando as atividades de acordo com as necessidades ou déficits apresentados.

Em primeiro lugar, é fundamental ter o auxílio de um médico oftalmologista que monte um direcional mestre e de um estimulador visual, geralmente terapeutas ocupacionais especializados nesta área, para definir os roteiros do dia a dia.

No início é super comum ficar perdido. A primeira médica que fomos, após examinar o Miguel e ver que ele não tinha reação nenhum a nenhum objeto, nos disse: pais, não deixem de mostrar brinquedos pra eles, não desanimem, comprem brinquedos de cores contrastantes e chamativas. Somente isso, foi toda sua instrução. Saímos de lá para a primeira loja de brinquedos que encontramos e ficamos totalmente PERDIDOS.
Compramos coisas caras e “erradas”, não deixe a ansiedade de resolver “um problema” tomar conta, aprenda a partir desse dia que nada acontecerá do dia pra noite. E que dinheiro não é sinônimo de sucesso. São as coisas mais simples que chamarão a atenção de uma criança. De preferência, se você puder construir e fazer  com as próprias mãos alguns dos materiais, seu envolvimento emocional com esta atividade irá aumentar e é assim que começa todo processo de comprometimento.

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Mobile feito pelo papai Diego, com canos de PVC, assim que voltamos das primeiras consultas. Ele foi todo adesivado com papel contact preto e branco, pois as cores contrastantes são as mais chamativas para os bebês. Evite tons pastéis. #pracegover: Miguel está deitado em baixo do mobile onde vários bichos de pelúcia estão pendurados.

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Uma das primeiras estimuladores visuais com quem conversamos nos pediu para ter bom humor, tentar encarar o momento da estimulação como uma “brincadeira”, para nós e para a criança. Então, tá hehehe. 😉 #pracegover: Miguel com um pom pom de fitas na cabeça, simulando uma peruca loira.

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Vale lembrar, pais são um time. Se não for pai e mãe, deve ser avós, tios, dindos, amigos mais próximos. Agradeço em especial ao meu marido, que é muito melhor e mais dedicado que eu nessa jornada, ele sempre nos traz de volta para o trilho quando a preguiça do dia a dia bate.

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A escola e os professores são grandes aliados também. Tivemos a grande sorte de encontrar uma escola que já contava com uma sala própria para estimulação  visual, inclusive com mesa de luz.

Se o seu médico não lhe instruir,procure por associações de deficientes visuais e cegos em sua cidade ou até mesmo a APAE (eles saberão direcionar pra um centro adequado ou até mesmo fornecer esta ajuda),  é melhor começar após o contato com um estimulador visual.
Se não encontrar, saiba que existem 4 referências no Brasil que podem ajuda-lo:

Ao longos dos meses pretendo fazer diversos posts mostrando o dia a dia de nossa estimulação, os materiais que utilizamos e nossa evolução.

Por aqui encerro com o vídeo do que foi pra mim, a nossa primeira grande vitória, depois de 6 meses de trabalho duro.

“Eu falei que era uma questão de tempo. E tudo ia mudar, e eu lutei (…) Eu tanto quis, tanto fiz, tanto fui feliz”

 

 

 

Diagnóstico não é sentença.

Aos prantos hoje pela manhã o Diego (meu marido lembrou) ” faz 1 ano hoje Lê, 1 ano que aquela médica me disse que nosso filho não enxergaria nada.”

1 ano depois e (achamos) nosso filho enxerga quase tudo. Vocês podem imaginar como um diagnóstico mal dado, falado, comunicado, sobretudo mal pensado pode afetar o outro? Isso virou uma cicatriz na alma do meu marido, 1 ano depois isso ainda o magoa, ainda é um machucado aberto que se a gente cutucar vai sangrar.

Em 1 ano e 3 meses de Miguel tenho diversas cicatrizes em meu coração, passamos também maus momentos em uma UTI,  graças a Deus também tenho memória seletiva, procuro focar mais nos bons momentos e também detesto o papel de vítima, de coitadinha ou qualquer outro lugar confortável que faça me parar de agir. Mas, hoje já não julgo quem não consegue sair, não é fácil. Ter ouvido de formas  horríveis o que ouvi me ensinou a ter mais compaixão pela dor do próximo.

O fato é que cada diagnóstico traz consigo uma série de dúvidas, medos e sobretudo consequências.

“Seu filho não vai enxergar nada ou no máximooooo 20%” – Não vai enxergar nada, como assim? Que é que significa nada? 20% é bom, ruim? Meu deus – bloqueio mental você simplesmente não sabe o que fazer. Sou igual a maioria: achei que não existia vida para cegos.

“Seu filho tá com câncer, liga pra esse médico aqui lá em SP, vai lá ver ele, custa uns 1500 a consulta”. Câncer? Como assim, nenê tem câncer? Mas, meu deus…. segue para bloqueio mental, vcs não fazem ideia do que é ouvir isso.

Aos berros num corredor de hospital, quase como se fosse na feira: “nãooo é câncer não, próxima criançaaa”. Não? O que que é então? “Faz teste de zyka vírus” ZYKA VÍRUS? Pqp… você chora pela graça inicial alcançada, desaba pelo próximo medo.

“Ele enxerga, mas vai ter baixa visão.” Mas, o que é baixa visão….”é visão pra ter nível de vida”. ????

E nunca, até hoje, 16 médicos depois, houve um médico que pode dar 5 minutos de atenção e me explicar o que é, porque, o que fazer, possibilidades, experiências, o que esperar, o que NÃO esperar…pra onde seguir. Recentemente encontrei isso numa médica fora do país, mas porque eu já era uma “paciente” diferente, munidade de muito conhecimento, preparada e exigente sobre as respostas que queria. Mas, quem é que sabe o que perguntar quando nunca ouviu falar sobre o que se tem?

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Em minha primeira reunião com outros pais que também tem filhos com deficiências visuais, muitos deles totalmente cegos, relatei como chegamos perdidos no Centro de Apoio em que fazemos estimulação visual e como chegamos lá por acaso, pois além de recebermos um diagnóstico mal dado, ele não foi acompanhado de nenhuma orientação de como seguir em frente. Foi unânime, todos os pais ali começaram a abrir seus corações e muitos após 7, 8, mais de 10 anos depois de receberem diagnósticos mal dados os relatavam com dor, raiva…mágoa.

Coloco me no lugar dos médicos, tentei por diversas vezes entender o outro lado, a necessidade de não se envolver, mas não posso compreender como em 2017 um ser humano que trata e cuida de outros seres humanos ignore o impacto de aspectos psicológicos sobre o rumo de qualquer doença ou diagnóstico.

Vocês sabiam que diversos pais simplesmente não aceitam a deficiência dos filhos e seguem uma vida sem ajuda-los a desenvolver seus potenciais? Que sentem vergonha e muitas vezes são nas classes mais altas que isto grita ainda mais?

Que deixam as crianças num canto sozinhas, dentro do berço, escondidas em casa. “Ele não enxerga mesmo”.

Que nunca procuraram alternativas pelo simples fato de tão terem o conhecimento necessário para ir atrás disso?

E se tudo isso começa numa consulta médica, como, como pode um médico não medir suas palavras, não procurar o caminho do amor, da compaixão e sobretudo, como pode um médico ignorar uma cadeia tão grande de apoio que existe dentro das terapias ocupacionais, que podem ajudar tantas pessoas a seguirem em frente com mais qualidade de vida quando a medicina tradicional não pode fazer nada? ou quando pode, mas coloca o paciente num cenário bem duro e penoso como em tratamentos longos e complicados?

A deficiência do Miguel me trouxe contato com diversas outras mães que lutam com outras deficiências muito mais complexas, e ouvi de muitas delas de que boa parte da dor melhorou quando elas simplesmente encontraram um grupo no Facebook de mães que estavam passando pelo mesmo.

Então, se você é médico e chegou até aqui, e quer fazer a diferença, se informe sobre a rede de apoio que existe em torno dos problemas que você precisa comunicar. E informe seu paciente. Faça o exercício diário de imaginar o que é voltar para casa e dormir a primeira noite com o diagnóstico que você está dando. E o que é viver a vida inteira. Você trabalha pela vida, não é mesmo?

Aqui eu gostaria de agradecer a nossa querida pediatra Amanda Ibaggy. Esteve conosco nos momentos mais dificies desta jornada e ainda me lembro de quando eu não me contive e chorei muito no seu consultório, então eu pedi desculpas e ela disse: eu posso te dar um abraço? E ela me deu o remédio que eu estava precisando naquela hora. Por todo seu amor e compaixão, obrigada.

Setembro de 2016

Setembro de 2016: voltando com as pupilas dilatadas da nossa primeira consulta oftalmológica.

 

 

 

O que ele enxerga?

Eu não sei. Me perguntam sempre. E não saberemos até ele mesmo nos contar.

Talvez essa seja uma das maiores dificuldades desta jornada, passamos os dias imaginando, supondo, testando. Mas aprendi e bem no começo desta caminhada, que é também aí que mora a incrível beleza de conviver com uma deficiência: eu me emociono com TODOS os detalhes, com TODAS as pequenas percepções, com TODAS as pequenas conquistas. Pra mim nada é pouco, tudo é novo, tudo é conquista.

Uma das primeiras coisas que ouvimos é que não existe nenhum baixa visão igual ao outro, não é uma deficiência que segue padrões, é quase como uma identidade própria do portador.
Há visões bem comprometidas, outras nem tanto, mais tubolares, mais periféricas….
Aqui dois termos passam a fazer parte da sua vida:

  1. Resíduo visual: é o que existe de visão, o que sobrou no momento da perda. A estimulação visual serve para ensinar e auxiliar o deficiente a utilizar esse resíduo da melhor maneira possível, para que tenha qualidade em mobilidade, atividades básicas do dia a dia,  ler e escrever etc.
  2. Acuidade visual: ou simplesmente a sigla AV, é a aptidão do olho para distinguir os detalhes espaciais. É a capacidade de identificar a forma e o contorno dos objetos.
    A acuidade visual pode ser medida mostrando-se objetos de tamanhos diferentes ao paciente e que se encontram a uma mesma distância do olho. A forma mais correta para medir a acuidade é no consultório oftalmológico, e utiliza-se, normalmente, a “Tabela de Snellen” (ainda estou aprendendo sobre isso, acho um pouco complexo, mas é essa tabela que define  em números absolutos a % de visão).
    Ainda não podemos fazer isso, pois Miguel é muito pequeno e não tem nível suficiente de concentração e interação.

*Pessoas com, por exemplo, Miopias, que ao utilizar óculos ou lentes de contato veem nitidamente, NÃO TÊM BAIXA VISÃO. A baixa acuidade visual ocorre quando o nível de visão, mesmo com a melhor correção óptica permanece inferior ao considerado “normal”.

Nossas percepções:
Não se ganha visão, mas se desenvolve habilidades com o que se tem. O fato é que talvez, no fundo do meu coração, eu discorde disso.
No começo de tudo Miguel nem piscava, não percebia nada vindo em sua direção. Hoje faz coisas incríveis. Já sentimos bastante dificuldade em perceber coisas de perto, quase sempre de longe (e sinto isso melhorando muito), muitas vezes é difícil distinguir rostos e evidente é: não consegue fixar o olhar por mais de 5 segundos, tem mais visão no olho esquerdo do que direito, aproxima os objetos bem próximo dos olhos para compreender detalhes, há um estrabismo em progressão principalmente no olho direito (e é isso que temos nos concentrado em corrigir nesse momento) – há um fato interessante  e preocupante aqui. Se há um olho que “enxerga” mais que o outro e isso duplica imagens ou prejudica a nitidez e noção de profundidade de alguma forma, naturalmente o nosso cérebro entende que deve “desligar” o olho não bom e nesse caso se perde a visão deste olho. É preciso trabalhar principalmente com tampões para estimular que os dois olhos trabalhem sozinhos.

Tenho procurado “experimentar” o que o Miguel sente.
Me emocionei na primeira que coloquei um tampão. Isso é ruim, incômodo, dói na pele, prejudica a noção de profundidade, a estabilidade e segurança. Mas força ao máximo a necessidade de concentração e foco, algo que temos que trabalhar muito. Ser mãe de um baixa visão é também uma lição diária de auto controle. Qdo coloquei o tampão me desesperei, comecei a chorar e pensar “meu deus meu deus q difícil é pro Miguel enxergar” e fiz toda aquela projeção de um futuro sombrio. Mas, o que ele enxerga? O que enxergará? Só no futuro ele nos dirá. Até lá a gente vai tentando adivinhar e o ajudando a driblar toda e qualquer dificuldade.

Mamãe com tampão no olho

Hoje testei algumas possibilidades, podes clicar em cima pra ver.

Um toque vale mais do que mil olhares <3

No nosso caso: Um toque vale mais do que mil olhares . Miguel fazendo cuca com a mamãe no dia do seu batizado. ——– Experimente vendar os olhos e fazer a atividade mais básica como escovar os dentes, por exemplo. Coloque -se no lugar no outro, exercite sua compaixão. Vais ter uns 100 anos de evolução espiritual a frente.