As 5 fases do luto.

Nós frequentamos a ACIC ( Associação Catarinense para Integração do Cego), é lá que encontramos apoio dos profissionais que nos ajudam a estimular visualmente o Miguel e também é lá que encontramos o apoio de outros pais, em situações similares ou muito diferentes da nossa. Todos, independente de classe social, nível educacional, cor, credo ou qualquer outra coisa, são seres muito muito diferenciados e iluminados. Aprendo muito, com todos.
Hoje eu posso ver que a experiência de uma deficiência nos abre horizontes e portais de compreensão sobre o mundo que talvez nenhuma outra experiência traria.

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Olha que turma bonita se reuniu dia 25.11.17. 7 das 25 famílias com crianças que frequentam a ACIC estiverem lá neste sábado. Algumas crianças são cegas, outras tem baixa visão.  #pracegover: pais, filhos e professores sentados numa escadaria posando para a foto.

Em situações como as que vivemos a gente aprende que não é possível comparar dor, racionalmente podemos analisar “nossa, aquela pessoa está muito pior que eu, eu não posso sofrer ” mas emocionalmente você jamais poderá fazer um julgamento deste, a carga psicológica que qualquer evento traumático pode causar em cada um é algo muito, muito particular e não deve ser menosprezado.
No último sábado (25.11.17) participamos da nossa primeira festa da família na ACIC e tivemos um momento com a psicóloga da instituição, seguido de uma verdadeira terapia de grupo.
Falamos sobre como uma criança, antes mesmo de nascer, já existe como indivíduo, como já projetamos um conceito ideal de vida, desempenho. Projetamos comportamentos, personalidade, até o time da criança a gente chega a escolher. E quando esta criança chega com uma deficiência há uma perda, a perda do filho idealizado. E em torno de toda perda, há luto.
Luto gera desânimo profundo, falta de interesse pelo mundo externo, paramos de nos sentir felizes com atividades que antes traziam prazer. Eu senti isso e por vários dias quis justificar com “estou cansada, com muito trabalho, cuidados com o nenê”, mas é importante tomar consciência de que se está atravessando essa fase de luto realmente e elabora-lo para superar e seguir em frente. Principalmente pelos impactos que isso pode gerar no próprio filho, que pode não se sentir aceito, com baixo auto estima por não ser o filho “perfeito”.

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Se você acredita que está enfrentando um luto, saiba que a melhor forma de elaborar e superar é falando sobre o que aconteceu ou procurando ajuda de um profissional caso seja necessário. Você também pode escrever como eu, sempre usei a escrita como forma de expressar meus sentimentos que muitas vezes não consigo expressar falando. E aqui aproveito para agradecer a minha incrível rede de amigos (reais e virtuais), que desde que decidi “escrever” e contar nossa jornada me apoiou muito. Cada um de vocês que me escreve, manda mensagens com novidades da medicina que podem ajudar o Miguel, que contam de algo interessante que viram sobre deficiência visual, que torcem por nós, que se emocionam conosco.. cada um de vocês foi e é extremamente importante pra nós. Obrigada de todo o coração.
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AS FASES DO LUTO
A psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross, que trabalhava com pacientes em estado terminal, desenvolveu uma teoria sobre as 5 fases do luto, publicada em 1969 no livro ”On Death and Dying”. Essa teoria nos ajuda a entender melhor como se sentem as pessoas que passam por esse sofrimento (morte ou em meu caso “perda de um ideal”) e como elas tendem a agir:

1-Etapa da Negação

Negamos o fato (morte ou perda de um ideal).  Embora pareça uma opção pouco realista, tem sua utilidade para o nosso organismo, já que ajuda muito para que a mudança brusca de humor não nos prejudique.
A negação pode ser explícita ou não explícita, isto é, apesar de nos expressar verbalmente aceitando a informação de que a pessoa querida morreu ou que ok, meu filho tem uma deficiência, na prática, nos comportamos como se  isso fosse uma ficção transitória, ou seja, um papel que buscamos interpretar sem que acreditemos no todo.
É fato, acontece, nos primeiros dias eu dormia arrasada e acordava perdida, me perguntando se era verdade o que estava acontecendo.

2 – Etapa da Raiva

A raiva e o ressentimento que aparecem nesta fase é resultado da  frustração que produzimos ao nos darmos conta de que a morte/perda de um ideal ocorreu e que não há nada que possamos fazer para corrigir ou reverter a situação.
O luto produz uma tristeza profunda que não pode ser aliviada, porque essa situação não é reversível. A morte/perda de um ideal é visto como o resultado de uma decisão, e, portanto, procuramos culpados. É por isso que surge um forte sentimento de raiva que se projeta em todas as direções, porque não somos capazes de resolver esse problema, não há solução e nem alguém em quem jogar toda a culpa.
É natural você procurar algo de errado que possa ter feito na gravidez, no parto, algum erro médico… o fato é que nada disso irá mudar a situação atual. É preciso encontrar serenidade para sair desta fase, é preciso serenidade de amigos e familiares para não alimentar esta fase.

3 – Etapa da Negociação

Nesta fase, tenta-se criar uma ficção que permite ver a morte/perda do ideal como uma possibilidade que podemos impedir. De alguma forma, criamos a fantasia de estarmos no controle da situação.
Na negociação fantasiamos a ideia de reverter o processo, e buscamos estratégias para tornar isso possível. Por exemplo, é comum negociarmos com entidades divinas ou sobrenaturais, é comum procurarmos inúmeros médicos, tratamentos alternativos, terapias ocupacionais diferenciadas. Nossa busca parece nunca acabar. É tão louco as ciladas que o nosso cérebro faz conosco, confesso pra vocês que cada médico novo que eu vou tenho esperança dentro de mim dele dizer que o Miguel não tem nada, que foi um engano.
Particularmente nós estamos sempre em ciclos em nossa jornada, já conseguimos chegar na última etapa, mas constantemente voltamos para essa. Há sempre um sentimento de que vamos “encontrar a cura” para tudo ficar bem, inclusive há um senso comum muito forte na empatia dos outros de que enquanto há a deficiência “não está tudo bem”. Muitas pessoas até hoje nos encontram e dizem ” ahh mas ele vai crescer e vai ficar tudo bem, vai se desenvolver”. O fato é que Miguel está bem, é um bebê super desenvolvido, inteligente, que se supera todos os dias. Essa é nossa vida e tudo bem.
Eu particularmente tenho muito medo dessa fase, porque é aqui que podemos ficar por muito tempo esperando essa “cura” para poder ser feliz. Não há cura. Há como ser feliz. Vamos em frente.

4 – Etapa da Depressão

Na fase da depressão deixamos de fantasiar realidades paralelas e nos voltamos ao presente com uma profunda sensação de vazio, porque nos conscientizamos plenamente que a pessoa querida já não está mais entre nós ou que realmente aquele ideal projetado não irá acontecer.
Aparece uma forte tristeza que não pode ser mitigada mediante desculpas nem mediante a imaginação, e que nos leva a entrar em uma  crise existencial. Ou seja, temos que aceitar e começar a viver numa realidade que está definida por essa ausência.

5 – Etapa de Aceitação

É o momento em que se aceita, quando aprendemos a continuar vivendo em um mundo diferente e aceitamos que esse sentimento de superação faz bem. Em parte, essa fase se dá porque o traço que a dor emocional do luto causa vai se extinguindo com o tempo, é uma fase necessária para reorganizar ativamente as próprias ideias e confortar o nosso esquema mental.

Não é uma etapa feliz em comparação às outras 4 etapas do luto, mas, a princípio, é considerada a melhor pela falta de sentimentos intensos e pelo cansaço. Aos poucos, vamos voltando a sentir alegria e prazer, e a partir dessa situação as coisas vão voltando ao normal.
Então você começa a ver beleza nos detalhes e a comemorar cada #diadegloria. E percebe que há muitas formas de “cruzar a imensidão”. E se me permite plagiar o Mundo Bita (hehe) pode finalmente começar a perceber que um pouco de carinho e de bondade é  que basta pra ver que a diferença é o que nos une de verdade, e mesmo sendo assim ou sendo assado, o amor se multiplica e se espalha por todo lado.

 

 

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Uma tarde feliz em Brasília. #Pracegover: Papai e Mamãe erguendo o Miguel pelos braços. Foto do nosso querido compadre, Marcelo Cavalheiro.

 

COMPROMETA-SE : um papo de pai para pai sobre estimulação visual

Estimulação visual é nosso único remédio e esperança. Costumo chama-la de nossos #diasdeluta em busca de #diasdegloria e posso AFIRMAR, uma coisa é consequência da outra.

Se você é mãe ou pai de um baixa visão COMPROMETA-SE de corpo, alma e coração a esta tarefa. Você tem dos 0 a 7 anos de idade (maior período de desenvolvimento de 0 a 3 anos ) de plena e espetacular plasticidade cerebral para ajudar seu filho a desenvolver, não só habilidade visual com o resíduo que lhe sobrou, mas também, gosto de acreditar, a ter ganho visual.
Eu sei que nem sempre é fácil, que muitas vezes você precisa lidar com impaciência e incômodo da criança, com seus próprios dias de cansaço e tristeza, mas respire fundo, é tudo uma questão de tempo para os primeiros resultados aparecerem.

 

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Fantoches de dedo: em nossas primeiras consultas, lembro da médica mostrando diversos para o Miguel e NENHUMA reação. Zero interesse ou percepção.

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A habilidade visual que pode alcançar uma criança com baixa visão não se relaciona necessariamente com o tipo e grau de perda visual. Podemos encontrar duas crianças com problemas visuais semelhantes, mas com funcionamento visual  muito diferente em cada caso, dependendo do grau de estimulação que foi aplicado a cada um. Pra entender bem: uma criança  pode ter muito resíduo visual , mas comportamento de cego se não estimulada.
A habilidade visual pode ser desenvolvida com um programa sequencial de exigências visuais, e a isto chamamos ESTIMULAÇÃO VISUAL.

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É durante seu programa de estimulação que você se confronta com a realidade da deficiência, quando você entra numa instituição de apoio ou reabilitação, sua nova jornada se materializa de forma muito impactante. Lembro ainda de quando entrei pela primeira vez na ACIC –Associação Catarinense para Integração do Cego – ACIC  e do turbilhão de emoções que senti, para falar a verdade, toda vez eu sinto, porque você nunca sabe o que esperar.
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Já passamos por muitas fases: partimos de praticamente nenhuma percepção de objetos e rostos, depois dificuldade muito grande de enxergar em curtas distâncias, depois dificuldade de profundidade, depois uma deficiência maior  e estrabismo divergente no olho direito, depois muita dificuldade para perceber feições. E seguimos na luta, superando cada uma dessas dificuldades.

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É durante os programas de estimulação que você observa com atenção os sinais visuais que a criança dá e então vai direcionando as atividades de acordo com as necessidades ou déficits apresentados.

Em primeiro lugar, é fundamental ter o auxílio de um médico oftalmologista que monte um direcional mestre e de um estimulador visual, geralmente terapeutas ocupacionais especializados nesta área, para definir os roteiros do dia a dia.

No início é super comum ficar perdido. A primeira médica que fomos, após examinar o Miguel e ver que ele não tinha reação nenhum a nenhum objeto, nos disse: pais, não deixem de mostrar brinquedos pra eles, não desanimem, comprem brinquedos de cores contrastantes e chamativas. Somente isso, foi toda sua instrução. Saímos de lá para a primeira loja de brinquedos que encontramos e ficamos totalmente PERDIDOS.
Compramos coisas caras e “erradas”, não deixe a ansiedade de resolver “um problema” tomar conta, aprenda a partir desse dia que nada acontecerá do dia pra noite. E que dinheiro não é sinônimo de sucesso. São as coisas mais simples que chamarão a atenção de uma criança. De preferência, se você puder construir e fazer  com as próprias mãos alguns dos materiais, seu envolvimento emocional com esta atividade irá aumentar e é assim que começa todo processo de comprometimento.

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Mobile feito pelo papai Diego, com canos de PVC, assim que voltamos das primeiras consultas. Ele foi todo adesivado com papel contact preto e branco, pois as cores contrastantes são as mais chamativas para os bebês. Evite tons pastéis. #pracegover: Miguel está deitado em baixo do mobile onde vários bichos de pelúcia estão pendurados.

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Uma das primeiras estimuladores visuais com quem conversamos nos pediu para ter bom humor, tentar encarar o momento da estimulação como uma “brincadeira”, para nós e para a criança. Então, tá hehehe. 😉 #pracegover: Miguel com um pom pom de fitas na cabeça, simulando uma peruca loira.

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Vale lembrar, pais são um time. Se não for pai e mãe, deve ser avós, tios, dindos, amigos mais próximos. Agradeço em especial ao meu marido, que é muito melhor e mais dedicado que eu nessa jornada, ele sempre nos traz de volta para o trilho quando a preguiça do dia a dia bate.

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A escola e os professores são grandes aliados também. Tivemos a grande sorte de encontrar uma escola que já contava com uma sala própria para estimulação  visual, inclusive com mesa de luz.

Se o seu médico não lhe instruir,procure por associações de deficientes visuais e cegos em sua cidade ou até mesmo a APAE (eles saberão direcionar pra um centro adequado ou até mesmo fornecer esta ajuda),  é melhor começar após o contato com um estimulador visual.
Se não encontrar, saiba que existem 4 referências no Brasil que podem ajuda-lo:

Ao longos dos meses pretendo fazer diversos posts mostrando o dia a dia de nossa estimulação, os materiais que utilizamos e nossa evolução.

Por aqui encerro com o vídeo do que foi pra mim, a nossa primeira grande vitória, depois de 6 meses de trabalho duro.

“Eu falei que era uma questão de tempo. E tudo ia mudar, e eu lutei (…) Eu tanto quis, tanto fiz, tanto fui feliz”