Olhe com gentileza. Inclua sem julgamento

Eu percebi esses dias, de repente eu parei de me incomodar com o estrabismo do Miguel ou com o fato dele não olhar dentro dos meus olhos para conversar. Há alguns meses atrás estava fixada nisso.
Percebi que isso aconteceu a medida que também fui amadurecendo e vencendo minha fase de luto. Falei dela aqui. Acho que cheguei finalmente na aceitação completa da deficiência dele.
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Mas, ser mãe de uma criança com deficiência é diariamente conviver com a descoberta inicial de outras pessoas sobre a deficiência do seu filho. E sabemos, o diferente causa estranheza. Mas, em alguns casos, as reações são tão exageradas ou significantes, que elas nos tomam pela mão e parecem nos levar lá para o primeiro dia em que recebemos a notícia da deficiência. Elas nos fazem lembrar de que temos uma condição diferente.
Ser mãe é viver numa montanha russa de emoções, ser mãe de uma criança com deficiência é viver na maior delas.
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Esse da foto abraçando o Miguel é o Pietro e essa é uma história bonita.
Pietro apareceu na praia e veio brincar conosco, vidrado na boia amarela do Miguel.
Lá pelas tantas o Pietro soltou:
O MIGUEL É CEGO?
Por quê Pietro?
É porque ele não me olha nos olhos.
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Para você que me lê agora, isso pode parecer simples. Para nós foi um “baque”, é o atestado de que a deficiência está clara, escancarada, perceptível. Até o Pietro viu. E não há problema algum nisso, nem se ele realmente fosse cego, minha admiração total as mamães de crianças cegas que me leem aqui.
É que no momento que uma pergunta dessas acontece, nos lembramos de que a condição existe. De que o diferente causa estranheza, dúvida e o que sempre temi, causa também julgamento.

Não do Pietro, ele perguntou isso porque tinha visto uma vez na vida uma velhinha cega que não o olhava nos olhos também e então ele fez a associação, mas sabemos que tem muta gente experiente que se incomoda com o diferente.

Como um senhor de uns quase 70 anos que quase tropeçou na areia de tanto que se virou pra reparar no Miguel porque ele estava de tampão.

Nos faz lembrar que ainda temos que enfrentar muita gente que “olha” pro deficiente com olhos de sentença, que não acredita e não enxerga todo potencial possível naquele ser humano.

Ei, nós estamos aqui e temos sentimentos e não queremos nos sentir estranhos. Como a mãe do cadeirante também não quer, como a mãe do cego também não quer, como a mãe do surdo também não quer…

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Reparar na deficiência alheia requer gentileza no olhar, se interessar verdadeiramente por ela é perguntar a pessoa  se precisa de ajuda ou a melhor forma de atende-lo por exemplo ou perguntar a mãe da criança o que é necessário para inclui-la na brincadeira.
É levar seu filho “normal” a um lugar reservado ou quando chegar em casa e ter uma conversa sincera sobre as diferenças existirem, as limitações existirem, mas que elas existem para todos, deficientes ou não. Que não tornam ninguém melhor ou pior, que o dever do “normal” é pensar numa solução pra todo mundo poder brincar.
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O Miguel se esforçou pra olhar Pietro nos olhos, o Pietro cuidou cada segundo do Miguel no mar. E na hora de ir embora o Miguel passou as mãozinhas por todo rosto do Pietro pra guardar bem a “cara” do amigo. E o Pietro entendeu, que só se vê bem com o coração mesmo.

As 5 fases do luto.

Nós frequentamos a ACIC ( Associação Catarinense para Integração do Cego), é lá que encontramos apoio dos profissionais que nos ajudam a estimular visualmente o Miguel e também é lá que encontramos o apoio de outros pais, em situações similares ou muito diferentes da nossa. Todos, independente de classe social, nível educacional, cor, credo ou qualquer outra coisa, são seres muito muito diferenciados e iluminados. Aprendo muito, com todos.
Hoje eu posso ver que a experiência de uma deficiência nos abre horizontes e portais de compreensão sobre o mundo que talvez nenhuma outra experiência traria.

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Olha que turma bonita se reuniu dia 25.11.17. 7 das 25 famílias com crianças que frequentam a ACIC estiverem lá neste sábado. Algumas crianças são cegas, outras tem baixa visão.  #pracegover: pais, filhos e professores sentados numa escadaria posando para a foto.

Em situações como as que vivemos a gente aprende que não é possível comparar dor, racionalmente podemos analisar “nossa, aquela pessoa está muito pior que eu, eu não posso sofrer ” mas emocionalmente você jamais poderá fazer um julgamento deste, a carga psicológica que qualquer evento traumático pode causar em cada um é algo muito, muito particular e não deve ser menosprezado.
No último sábado (25.11.17) participamos da nossa primeira festa da família na ACIC e tivemos um momento com a psicóloga da instituição, seguido de uma verdadeira terapia de grupo.
Falamos sobre como uma criança, antes mesmo de nascer, já existe como indivíduo, como já projetamos um conceito ideal de vida, desempenho. Projetamos comportamentos, personalidade, até o time da criança a gente chega a escolher. E quando esta criança chega com uma deficiência há uma perda, a perda do filho idealizado. E em torno de toda perda, há luto.
Luto gera desânimo profundo, falta de interesse pelo mundo externo, paramos de nos sentir felizes com atividades que antes traziam prazer. Eu senti isso e por vários dias quis justificar com “estou cansada, com muito trabalho, cuidados com o nenê”, mas é importante tomar consciência de que se está atravessando essa fase de luto realmente e elabora-lo para superar e seguir em frente. Principalmente pelos impactos que isso pode gerar no próprio filho, que pode não se sentir aceito, com baixo auto estima por não ser o filho “perfeito”.

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Se você acredita que está enfrentando um luto, saiba que a melhor forma de elaborar e superar é falando sobre o que aconteceu ou procurando ajuda de um profissional caso seja necessário. Você também pode escrever como eu, sempre usei a escrita como forma de expressar meus sentimentos que muitas vezes não consigo expressar falando. E aqui aproveito para agradecer a minha incrível rede de amigos (reais e virtuais), que desde que decidi “escrever” e contar nossa jornada me apoiou muito. Cada um de vocês que me escreve, manda mensagens com novidades da medicina que podem ajudar o Miguel, que contam de algo interessante que viram sobre deficiência visual, que torcem por nós, que se emocionam conosco.. cada um de vocês foi e é extremamente importante pra nós. Obrigada de todo o coração.
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AS FASES DO LUTO
A psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross, que trabalhava com pacientes em estado terminal, desenvolveu uma teoria sobre as 5 fases do luto, publicada em 1969 no livro ”On Death and Dying”. Essa teoria nos ajuda a entender melhor como se sentem as pessoas que passam por esse sofrimento (morte ou em meu caso “perda de um ideal”) e como elas tendem a agir:

1-Etapa da Negação

Negamos o fato (morte ou perda de um ideal).  Embora pareça uma opção pouco realista, tem sua utilidade para o nosso organismo, já que ajuda muito para que a mudança brusca de humor não nos prejudique.
A negação pode ser explícita ou não explícita, isto é, apesar de nos expressar verbalmente aceitando a informação de que a pessoa querida morreu ou que ok, meu filho tem uma deficiência, na prática, nos comportamos como se  isso fosse uma ficção transitória, ou seja, um papel que buscamos interpretar sem que acreditemos no todo.
É fato, acontece, nos primeiros dias eu dormia arrasada e acordava perdida, me perguntando se era verdade o que estava acontecendo.

2 – Etapa da Raiva

A raiva e o ressentimento que aparecem nesta fase é resultado da  frustração que produzimos ao nos darmos conta de que a morte/perda de um ideal ocorreu e que não há nada que possamos fazer para corrigir ou reverter a situação.
O luto produz uma tristeza profunda que não pode ser aliviada, porque essa situação não é reversível. A morte/perda de um ideal é visto como o resultado de uma decisão, e, portanto, procuramos culpados. É por isso que surge um forte sentimento de raiva que se projeta em todas as direções, porque não somos capazes de resolver esse problema, não há solução e nem alguém em quem jogar toda a culpa.
É natural você procurar algo de errado que possa ter feito na gravidez, no parto, algum erro médico… o fato é que nada disso irá mudar a situação atual. É preciso encontrar serenidade para sair desta fase, é preciso serenidade de amigos e familiares para não alimentar esta fase.

3 – Etapa da Negociação

Nesta fase, tenta-se criar uma ficção que permite ver a morte/perda do ideal como uma possibilidade que podemos impedir. De alguma forma, criamos a fantasia de estarmos no controle da situação.
Na negociação fantasiamos a ideia de reverter o processo, e buscamos estratégias para tornar isso possível. Por exemplo, é comum negociarmos com entidades divinas ou sobrenaturais, é comum procurarmos inúmeros médicos, tratamentos alternativos, terapias ocupacionais diferenciadas. Nossa busca parece nunca acabar. É tão louco as ciladas que o nosso cérebro faz conosco, confesso pra vocês que cada médico novo que eu vou tenho esperança dentro de mim dele dizer que o Miguel não tem nada, que foi um engano.
Particularmente nós estamos sempre em ciclos em nossa jornada, já conseguimos chegar na última etapa, mas constantemente voltamos para essa. Há sempre um sentimento de que vamos “encontrar a cura” para tudo ficar bem, inclusive há um senso comum muito forte na empatia dos outros de que enquanto há a deficiência “não está tudo bem”. Muitas pessoas até hoje nos encontram e dizem ” ahh mas ele vai crescer e vai ficar tudo bem, vai se desenvolver”. O fato é que Miguel está bem, é um bebê super desenvolvido, inteligente, que se supera todos os dias. Essa é nossa vida e tudo bem.
Eu particularmente tenho muito medo dessa fase, porque é aqui que podemos ficar por muito tempo esperando essa “cura” para poder ser feliz. Não há cura. Há como ser feliz. Vamos em frente.

4 – Etapa da Depressão

Na fase da depressão deixamos de fantasiar realidades paralelas e nos voltamos ao presente com uma profunda sensação de vazio, porque nos conscientizamos plenamente que a pessoa querida já não está mais entre nós ou que realmente aquele ideal projetado não irá acontecer.
Aparece uma forte tristeza que não pode ser mitigada mediante desculpas nem mediante a imaginação, e que nos leva a entrar em uma  crise existencial. Ou seja, temos que aceitar e começar a viver numa realidade que está definida por essa ausência.

5 – Etapa de Aceitação

É o momento em que se aceita, quando aprendemos a continuar vivendo em um mundo diferente e aceitamos que esse sentimento de superação faz bem. Em parte, essa fase se dá porque o traço que a dor emocional do luto causa vai se extinguindo com o tempo, é uma fase necessária para reorganizar ativamente as próprias ideias e confortar o nosso esquema mental.

Não é uma etapa feliz em comparação às outras 4 etapas do luto, mas, a princípio, é considerada a melhor pela falta de sentimentos intensos e pelo cansaço. Aos poucos, vamos voltando a sentir alegria e prazer, e a partir dessa situação as coisas vão voltando ao normal.
Então você começa a ver beleza nos detalhes e a comemorar cada #diadegloria. E percebe que há muitas formas de “cruzar a imensidão”. E se me permite plagiar o Mundo Bita (hehe) pode finalmente começar a perceber que um pouco de carinho e de bondade é  que basta pra ver que a diferença é o que nos une de verdade, e mesmo sendo assim ou sendo assado, o amor se multiplica e se espalha por todo lado.

 

 

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Uma tarde feliz em Brasília. #Pracegover: Papai e Mamãe erguendo o Miguel pelos braços. Foto do nosso querido compadre, Marcelo Cavalheiro.

 

COMPROMETA-SE : um papo de pai para pai sobre estimulação visual

Estimulação visual é nosso único remédio e esperança. Costumo chama-la de nossos #diasdeluta em busca de #diasdegloria e posso AFIRMAR, uma coisa é consequência da outra.

Se você é mãe ou pai de um baixa visão COMPROMETA-SE de corpo, alma e coração a esta tarefa. Você tem dos 0 a 7 anos de idade (maior período de desenvolvimento de 0 a 3 anos ) de plena e espetacular plasticidade cerebral para ajudar seu filho a desenvolver, não só habilidade visual com o resíduo que lhe sobrou, mas também, gosto de acreditar, a ter ganho visual.
Eu sei que nem sempre é fácil, que muitas vezes você precisa lidar com impaciência e incômodo da criança, com seus próprios dias de cansaço e tristeza, mas respire fundo, é tudo uma questão de tempo para os primeiros resultados aparecerem.

 

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Fantoches de dedo: em nossas primeiras consultas, lembro da médica mostrando diversos para o Miguel e NENHUMA reação. Zero interesse ou percepção.

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A habilidade visual que pode alcançar uma criança com baixa visão não se relaciona necessariamente com o tipo e grau de perda visual. Podemos encontrar duas crianças com problemas visuais semelhantes, mas com funcionamento visual  muito diferente em cada caso, dependendo do grau de estimulação que foi aplicado a cada um. Pra entender bem: uma criança  pode ter muito resíduo visual , mas comportamento de cego se não estimulada.
A habilidade visual pode ser desenvolvida com um programa sequencial de exigências visuais, e a isto chamamos ESTIMULAÇÃO VISUAL.

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É durante seu programa de estimulação que você se confronta com a realidade da deficiência, quando você entra numa instituição de apoio ou reabilitação, sua nova jornada se materializa de forma muito impactante. Lembro ainda de quando entrei pela primeira vez na ACIC –Associação Catarinense para Integração do Cego – ACIC  e do turbilhão de emoções que senti, para falar a verdade, toda vez eu sinto, porque você nunca sabe o que esperar.
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Já passamos por muitas fases: partimos de praticamente nenhuma percepção de objetos e rostos, depois dificuldade muito grande de enxergar em curtas distâncias, depois dificuldade de profundidade, depois uma deficiência maior  e estrabismo divergente no olho direito, depois muita dificuldade para perceber feições. E seguimos na luta, superando cada uma dessas dificuldades.

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É durante os programas de estimulação que você observa com atenção os sinais visuais que a criança dá e então vai direcionando as atividades de acordo com as necessidades ou déficits apresentados.

Em primeiro lugar, é fundamental ter o auxílio de um médico oftalmologista que monte um direcional mestre e de um estimulador visual, geralmente terapeutas ocupacionais especializados nesta área, para definir os roteiros do dia a dia.

No início é super comum ficar perdido. A primeira médica que fomos, após examinar o Miguel e ver que ele não tinha reação nenhum a nenhum objeto, nos disse: pais, não deixem de mostrar brinquedos pra eles, não desanimem, comprem brinquedos de cores contrastantes e chamativas. Somente isso, foi toda sua instrução. Saímos de lá para a primeira loja de brinquedos que encontramos e ficamos totalmente PERDIDOS.
Compramos coisas caras e “erradas”, não deixe a ansiedade de resolver “um problema” tomar conta, aprenda a partir desse dia que nada acontecerá do dia pra noite. E que dinheiro não é sinônimo de sucesso. São as coisas mais simples que chamarão a atenção de uma criança. De preferência, se você puder construir e fazer  com as próprias mãos alguns dos materiais, seu envolvimento emocional com esta atividade irá aumentar e é assim que começa todo processo de comprometimento.

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Mobile feito pelo papai Diego, com canos de PVC, assim que voltamos das primeiras consultas. Ele foi todo adesivado com papel contact preto e branco, pois as cores contrastantes são as mais chamativas para os bebês. Evite tons pastéis. #pracegover: Miguel está deitado em baixo do mobile onde vários bichos de pelúcia estão pendurados.

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Uma das primeiras estimuladores visuais com quem conversamos nos pediu para ter bom humor, tentar encarar o momento da estimulação como uma “brincadeira”, para nós e para a criança. Então, tá hehehe. 😉 #pracegover: Miguel com um pom pom de fitas na cabeça, simulando uma peruca loira.

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Vale lembrar, pais são um time. Se não for pai e mãe, deve ser avós, tios, dindos, amigos mais próximos. Agradeço em especial ao meu marido, que é muito melhor e mais dedicado que eu nessa jornada, ele sempre nos traz de volta para o trilho quando a preguiça do dia a dia bate.

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A escola e os professores são grandes aliados também. Tivemos a grande sorte de encontrar uma escola que já contava com uma sala própria para estimulação  visual, inclusive com mesa de luz.

Se o seu médico não lhe instruir,procure por associações de deficientes visuais e cegos em sua cidade ou até mesmo a APAE (eles saberão direcionar pra um centro adequado ou até mesmo fornecer esta ajuda),  é melhor começar após o contato com um estimulador visual.
Se não encontrar, saiba que existem 4 referências no Brasil que podem ajuda-lo:

Ao longos dos meses pretendo fazer diversos posts mostrando o dia a dia de nossa estimulação, os materiais que utilizamos e nossa evolução.

Por aqui encerro com o vídeo do que foi pra mim, a nossa primeira grande vitória, depois de 6 meses de trabalho duro.

“Eu falei que era uma questão de tempo. E tudo ia mudar, e eu lutei (…) Eu tanto quis, tanto fiz, tanto fui feliz”

 

 

 

Diagnóstico não é sentença.

Aos prantos hoje pela manhã o Diego (meu marido lembrou) ” faz 1 ano hoje Lê, 1 ano que aquela médica me disse que nosso filho não enxergaria nada.”

1 ano depois e (achamos) nosso filho enxerga quase tudo. Vocês podem imaginar como um diagnóstico mal dado, falado, comunicado, sobretudo mal pensado pode afetar o outro? Isso virou uma cicatriz na alma do meu marido, 1 ano depois isso ainda o magoa, ainda é um machucado aberto que se a gente cutucar vai sangrar.

Em 1 ano e 3 meses de Miguel tenho diversas cicatrizes em meu coração, passamos também maus momentos em uma UTI,  graças a Deus também tenho memória seletiva, procuro focar mais nos bons momentos e também detesto o papel de vítima, de coitadinha ou qualquer outro lugar confortável que faça me parar de agir. Mas, hoje já não julgo quem não consegue sair, não é fácil. Ter ouvido de formas  horríveis o que ouvi me ensinou a ter mais compaixão pela dor do próximo.

O fato é que cada diagnóstico traz consigo uma série de dúvidas, medos e sobretudo consequências.

“Seu filho não vai enxergar nada ou no máximooooo 20%” – Não vai enxergar nada, como assim? Que é que significa nada? 20% é bom, ruim? Meu deus – bloqueio mental você simplesmente não sabe o que fazer. Sou igual a maioria: achei que não existia vida para cegos.

“Seu filho tá com câncer, liga pra esse médico aqui lá em SP, vai lá ver ele, custa uns 1500 a consulta”. Câncer? Como assim, nenê tem câncer? Mas, meu deus…. segue para bloqueio mental, vcs não fazem ideia do que é ouvir isso.

Aos berros num corredor de hospital, quase como se fosse na feira: “nãooo é câncer não, próxima criançaaa”. Não? O que que é então? “Faz teste de zyka vírus” ZYKA VÍRUS? Pqp… você chora pela graça inicial alcançada, desaba pelo próximo medo.

“Ele enxerga, mas vai ter baixa visão.” Mas, o que é baixa visão….”é visão pra ter nível de vida”. ????

E nunca, até hoje, 16 médicos depois, houve um médico que pode dar 5 minutos de atenção e me explicar o que é, porque, o que fazer, possibilidades, experiências, o que esperar, o que NÃO esperar…pra onde seguir. Recentemente encontrei isso numa médica fora do país, mas porque eu já era uma “paciente” diferente, munidade de muito conhecimento, preparada e exigente sobre as respostas que queria. Mas, quem é que sabe o que perguntar quando nunca ouviu falar sobre o que se tem?

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Em minha primeira reunião com outros pais que também tem filhos com deficiências visuais, muitos deles totalmente cegos, relatei como chegamos perdidos no Centro de Apoio em que fazemos estimulação visual e como chegamos lá por acaso, pois além de recebermos um diagnóstico mal dado, ele não foi acompanhado de nenhuma orientação de como seguir em frente. Foi unânime, todos os pais ali começaram a abrir seus corações e muitos após 7, 8, mais de 10 anos depois de receberem diagnósticos mal dados os relatavam com dor, raiva…mágoa.

Coloco me no lugar dos médicos, tentei por diversas vezes entender o outro lado, a necessidade de não se envolver, mas não posso compreender como em 2017 um ser humano que trata e cuida de outros seres humanos ignore o impacto de aspectos psicológicos sobre o rumo de qualquer doença ou diagnóstico.

Vocês sabiam que diversos pais simplesmente não aceitam a deficiência dos filhos e seguem uma vida sem ajuda-los a desenvolver seus potenciais? Que sentem vergonha e muitas vezes são nas classes mais altas que isto grita ainda mais?

Que deixam as crianças num canto sozinhas, dentro do berço, escondidas em casa. “Ele não enxerga mesmo”.

Que nunca procuraram alternativas pelo simples fato de tão terem o conhecimento necessário para ir atrás disso?

E se tudo isso começa numa consulta médica, como, como pode um médico não medir suas palavras, não procurar o caminho do amor, da compaixão e sobretudo, como pode um médico ignorar uma cadeia tão grande de apoio que existe dentro das terapias ocupacionais, que podem ajudar tantas pessoas a seguirem em frente com mais qualidade de vida quando a medicina tradicional não pode fazer nada? ou quando pode, mas coloca o paciente num cenário bem duro e penoso como em tratamentos longos e complicados?

A deficiência do Miguel me trouxe contato com diversas outras mães que lutam com outras deficiências muito mais complexas, e ouvi de muitas delas de que boa parte da dor melhorou quando elas simplesmente encontraram um grupo no Facebook de mães que estavam passando pelo mesmo.

Então, se você é médico e chegou até aqui, e quer fazer a diferença, se informe sobre a rede de apoio que existe em torno dos problemas que você precisa comunicar. E informe seu paciente. Faça o exercício diário de imaginar o que é voltar para casa e dormir a primeira noite com o diagnóstico que você está dando. E o que é viver a vida inteira. Você trabalha pela vida, não é mesmo?

Aqui eu gostaria de agradecer a nossa querida pediatra Amanda Ibaggy. Esteve conosco nos momentos mais dificies desta jornada e ainda me lembro de quando eu não me contive e chorei muito no seu consultório, então eu pedi desculpas e ela disse: eu posso te dar um abraço? E ela me deu o remédio que eu estava precisando naquela hora. Por todo seu amor e compaixão, obrigada.

Setembro de 2016

Setembro de 2016: voltando com as pupilas dilatadas da nossa primeira consulta oftalmológica.

 

 

 

O que ele enxerga?

Eu não sei. Me perguntam sempre. E não saberemos até ele mesmo nos contar.

Talvez essa seja uma das maiores dificuldades desta jornada, passamos os dias imaginando, supondo, testando. Mas aprendi e bem no começo desta caminhada, que é também aí que mora a incrível beleza de conviver com uma deficiência: eu me emociono com TODOS os detalhes, com TODAS as pequenas percepções, com TODAS as pequenas conquistas. Pra mim nada é pouco, tudo é novo, tudo é conquista.

Uma das primeiras coisas que ouvimos é que não existe nenhum baixa visão igual ao outro, não é uma deficiência que segue padrões, é quase como uma identidade própria do portador.
Há visões bem comprometidas, outras nem tanto, mais tubolares, mais periféricas….
Aqui dois termos passam a fazer parte da sua vida:

  1. Resíduo visual: é o que existe de visão, o que sobrou no momento da perda. A estimulação visual serve para ensinar e auxiliar o deficiente a utilizar esse resíduo da melhor maneira possível, para que tenha qualidade em mobilidade, atividades básicas do dia a dia,  ler e escrever etc.
  2. Acuidade visual: ou simplesmente a sigla AV, é a aptidão do olho para distinguir os detalhes espaciais. É a capacidade de identificar a forma e o contorno dos objetos.
    A acuidade visual pode ser medida mostrando-se objetos de tamanhos diferentes ao paciente e que se encontram a uma mesma distância do olho. A forma mais correta para medir a acuidade é no consultório oftalmológico, e utiliza-se, normalmente, a “Tabela de Snellen” (ainda estou aprendendo sobre isso, acho um pouco complexo, mas é essa tabela que define  em números absolutos a % de visão).
    Ainda não podemos fazer isso, pois Miguel é muito pequeno e não tem nível suficiente de concentração e interação.

*Pessoas com, por exemplo, Miopias, que ao utilizar óculos ou lentes de contato veem nitidamente, NÃO TÊM BAIXA VISÃO. A baixa acuidade visual ocorre quando o nível de visão, mesmo com a melhor correção óptica permanece inferior ao considerado “normal”.

Nossas percepções:
Não se ganha visão, mas se desenvolve habilidades com o que se tem. O fato é que talvez, no fundo do meu coração, eu discorde disso.
No começo de tudo Miguel nem piscava, não percebia nada vindo em sua direção. Hoje faz coisas incríveis. Já sentimos bastante dificuldade em perceber coisas de perto, quase sempre de longe (e sinto isso melhorando muito), muitas vezes é difícil distinguir rostos e evidente é: não consegue fixar o olhar por mais de 5 segundos, tem mais visão no olho esquerdo do que direito, aproxima os objetos bem próximo dos olhos para compreender detalhes, há um estrabismo em progressão principalmente no olho direito (e é isso que temos nos concentrado em corrigir nesse momento) – há um fato interessante  e preocupante aqui. Se há um olho que “enxerga” mais que o outro e isso duplica imagens ou prejudica a nitidez e noção de profundidade de alguma forma, naturalmente o nosso cérebro entende que deve “desligar” o olho não bom e nesse caso se perde a visão deste olho. É preciso trabalhar principalmente com tampões para estimular que os dois olhos trabalhem sozinhos.

Tenho procurado “experimentar” o que o Miguel sente.
Me emocionei na primeira que coloquei um tampão. Isso é ruim, incômodo, dói na pele, prejudica a noção de profundidade, a estabilidade e segurança. Mas força ao máximo a necessidade de concentração e foco, algo que temos que trabalhar muito. Ser mãe de um baixa visão é também uma lição diária de auto controle. Qdo coloquei o tampão me desesperei, comecei a chorar e pensar “meu deus meu deus q difícil é pro Miguel enxergar” e fiz toda aquela projeção de um futuro sombrio. Mas, o que ele enxerga? O que enxergará? Só no futuro ele nos dirá. Até lá a gente vai tentando adivinhar e o ajudando a driblar toda e qualquer dificuldade.

Mamãe com tampão no olho

Hoje testei algumas possibilidades, podes clicar em cima pra ver.

Um toque vale mais do que mil olhares <3

No nosso caso: Um toque vale mais do que mil olhares . Miguel fazendo cuca com a mamãe no dia do seu batizado. ——– Experimente vendar os olhos e fazer a atividade mais básica como escovar os dentes, por exemplo. Coloque -se no lugar no outro, exercite sua compaixão. Vais ter uns 100 anos de evolução espiritual a frente.

 

O que é um baixa visão?

 

“Ele tá com sono? “, “ele está dormindo?”, “mas ele não me olha..”.
Frequentemente ouvimos frases como essas, até em situações em que o Miguel está super ativo e brincando, por exemplo. 🙈
Sou um ser humano normal e munida do meu senso de “não fala mal do meu filho” isso já me incomodou muito. É nessas horas que a gente se lembra do que diariamente “esquecemos”. O Miguel é deficiente visual.
Como tudo na vida acontece com a evolução das experiências, eu pude parar e refletir que ninguém faz isso por mal, ninguém faz nem ideia do que é um baixa visão. Eu mesma nunca tinha ouvido se quer falar disso até virar mãe de um. No Brasil são quase 7 milhões.
Dizemos que uma pessoa tem visão subnormal ou baixa visão quando apresenta 30% ou menos de visão no melhor olho, após todos os procedimentos clínicos, cirúrgicos e correção com óculos comuns, em muitos casos, como no nosso, não há , até o momento, nenhuma alternativa de correção. Não, ele não vai usar um óculos que deixa tudo bem. *

Ter baixa visão significa ter dificuldades de ver detalhes no dia a dia. Por exemplo, veem as pessoas mas não reconhecem a feição; as crianças enxergam a lousa, porém, não identificam as palavras; no ponto de ônibus, não reconhecem os letreiros. Há casos bem piores, outros nem tanto. Não existe nenhum baixa visão igual ao outro. No caso do Miguel acreditamos que o campo visual com detalhes é mais periférico e por isso ele olha pra baixo em boa parte do tempo ou aproxima os objetos bem pertinho do olho. Ele está analisando, não dormindo. 😄
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Acho importante falar sobre isso, para tirar o medo, preconceito ou receio de falar, agir, lidar com um deficiente visual, sobretudo os cegos.
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Aqui você pode ver umas dicas bem legais de como, inclusive, ajuda-los da maneira correta: https://www.fundacaodorina.org.br/a-fundacao/deficiencia-visual/o-que-fazer-quando-encontrar-uma-pessoa-cega/

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 #pracegover: Miguel no colo da mamãe com olhar direcionado para baixo.

 

Isto é sobre ele, não sobre você.

“Mãe, pare de sofrer, o Miguel não está perdendo nada. Ele nunca teve. Ele não sabe viver de forma diferente.” Me disse a primeira estimuladora visual com quem tive contato.

Mas, eu sei e não gostaria que ele tivesse que passar por isso. Então, você descobre que ser pai e mãe, com ou sem deficiência envolvida, é um jogo de expectativas e medos que diz muito mais respeito aos próprios pais do que aos filhos. Só que é preciso aceitar, a deficiência diz respeito a ele.

Sei pouco sobre as diversas causas que podem ocasionar baixa visão: catarata, toxoplasmose e outras doenças infecciosas, glaucoma, doenças degenerativas, retinose, prematuridade extrema, neurite óptica…De tudo que fui procurar, me parece que a que menos tem informações e literatura disponível é a do meu filho: atrofia dos nervos ópticos – palidez de papila. Como aconteceu, não sei.

14 oftalmologistas depois do primeiro diagnóstico, ainda busco por explicações e respostas. Não temos alternativa cirúrgica,  nem remédios disponíveis para tratamento. Não espero a cura, hoje aceito que ela não existe, mas me acho na obrigação de encontrar no mundo tudo que pode ajudar meu filho a se desenvolver com mais qualidade.
Tudo que encontrei está no campo do alternativo e mais pra frente vou falar disso aqui.
Um médico me disse: você foi muito perspicaz em perceber tão cedo; com 2 meses eu já suspeitava de algo errado e com 3 confirmei. Geralmente os pais vão perceber por volta dos 8 aos 9 meses ou mais. E há um fato, quanto mais cedo for obtido o diagnóstico, mais chances o portador deste tipo de deficiência terá de aperfeiçoar sua visão residual.
O primeiro ano de vida é onde há maior potencial de desenvolvimento, mas grandes transformações acontecem no campo da visão até os 7 anos, assim como a mágica e maravilhosa plástica neurológica das crianças, que acredite… supera quase tudo.

Agora, você precisa aceitar.

“Não há cura para a visão subnormal, mas muitos recursos disponíveis facilitam o desenvolvimento e melhoram a qualidade de vida dessas crianças. Tratamentos clínicos e cirúrgicos podem ser indicados de acordo com as causas do problema, porém o objetivo será o mesmo: minimizar e estacionar a perda visual. Para isso, é extremamente importante estimular a visão residual tanto por meio do uso de lentes especiais (óculos específicos, lupas, telelupas) quanto pela adaptação de materiais (ampliando-os e aumentando os contrastes). O programa de estimulação é personalizado, levando em consideração a idade e o perfil do portador de baixa visão. Normalmente, a tarefa exige a utilização de brinquedos, jogos e materiais pedagógicos.” Revista Saúde

 Me ajudou, pode te ajudar:

– Seu filho é uma criança como qualquer outra e ele não deve ser tratado como um coitadinho, isso só irá limita-lo ainda mais. Foque em desenvolver seu potencial de auto-estima e confiança para que descubra o mundo sozinho.

– A criança com baixa-visão precisa ser avisada de tudo que vai acontecer com ela. “Filho mamãe vai te sentar no sofá, te colocar no berço, estou tocando seu pézinho…”. Quando alguém se aproximar fale quem é, não fique brincando de adivinhações, deixe ela tocar as mãos ou rosto da pessoa. Não deixe tirarem seu filho do colo de forma rápida ou brusca sem avisa-lo antes. Esses breves avisos minimizam muito a insegurança da criança e consequentemente os choros e ansiedade.

– Familiares as vx mais atrapalham do que ajudam. A estimulação visual nem sempre é algo super divertido e prazeroso, envolve choro, birra, cansaço. Os pais devem ser firmes e não desistir.

– Quanto antes você puder integrar seu filho a um ambiente escolar melhor será. Ele vai se adaptar ao mundo, o mundo vai se adaptar a ele. Fará bem para os dois.

– Fique atenta a cada pequeno sinal de desenvolvimento e também de piora nos sinais visuais do seu filho – olho estrábico, motricidade diferente nos olhos, a criança está caindo, se batendo mais em alguns dos lado etc. Tudo isso pode dar indícios de algo que precisa ser trabalhado de forma diferente para ajuda-lo a desenvolver seu potencial visual.

– Aceitar e conviver numa boa com a deficiência não é algo que acontece do dia pra noite, mas empenhe-se em conseguir isso, é fundamental que seu filho perceba que é bom suficiente pra você da maneira que ele veio ao mundo. Diferente disso, ele pode crescer num quadro psicológico complexo, depressivo e de baixa auto-estima por achar que não é o filho que você esperava.

Tenho certeza, ele vai te mostrar dia a dia que é melhor, muito melhor do que você esperava.
Miguel, fica aqui registrado: você é o cara mais incrível que eu já conheci. ;D

miguel 2

#pracegover: Miguel deitado apoiado na mão da mamãe, que havia acabado de tatuar no punho a seguinte frase “Só se vê bem com o coração”. Uma forma que encontrei de assimilar esta jornada. – Novembro de 2016.

Miguel na Estimulação Visual

#pracegover: Novembro de 2016, nossa primeira aula de estimulação visual na ACIC, em Florianópolis SC. Miguel sentado no bebê conforto, com 5 meses tinha leve atraso motor e reagia bem pouco aos estímulos visuais apresentados. Na foto a estimuladora está mostrando um fantoche de luva de cor amarela.

Mas, porque…?

COMIGO… nunca me dei ao direito de terminar esta frase desta forma, seria justo com os outros? Mas, me questionei muito. POR QUÊ?

A descoberta da deficiência de um filho geralmente é uma vivência traumática, hoje encontro na literatura algo próximo do que senti “o estado psiquico dos pais é o sentimento de morte. É a perda do filho idealizado, aquele sonhado e desejado. Portanto, para que esse filho real venha a ser aceito e amado é necessário que os pais e a família, vivenciem o processo de luto do filho perdido (BARBOSA; CHAUD; GOMES, 2008).”
A medicina que me trouxe esse diagnóstico não teve tato algum para me direcionar e nascemos criativos por natureza, a consequência certa de uma notícia mal dada é a de pintar um cenário feio, triste, sombrio, sem vida.
Mas, os dias vão passando e então você pode, literalmente, ver uma luz no fim do túnel ou no começo da sua nova jornada.
Há vida, luz, alegria, dificuldades também, mas com muito amor você conseguirá passar por tudo isso.
Se você chegou até aqui porque estava procurando por mais informações sobre baixa visão, criei este blog para nós dividirmos experiências. Preciso aprender mais.
Se você chegou até aqui porque nos conhece, é nosso amigo, obrigada pelo apoio, vocês são fundamentais para toda família se restabelecer.
Se você chegou até aqui porque é médico, que bom, talvez você tenha mais humanidade do que a média geral. Vou tentar dar o ponto de vista daqueles que ouvem suas sentenças também. Elas são cicatrizes muito importantes nas histórias familiares.
Miguel tem hoje, em 23.06.2017, 1 ano e 23 dias. Aos 3 meses recebemos o diagnóstico de atrofia dos nervos ópticos, palidez de papila. Sentença: não irá enxergar nada ou terá pouquíssima visão.
Nunca nenhum médico me explicou o que é isso, o que sei, estudei por conta.
Desde então, sem alternativa cirúrgica ou química, nosso remédio é estimulação visual.
Saímos de um quadro de zero reações para pouquíssimas limitações hoje em dia. Um verdadeiro milagre. Não acontece do nada, mas com muito trabalho.
Vamos em frente.
*
Filho, a cada olhar teu que encontrar o meu, irei me emocionar e agradecer. São esses momentos raros que dão sentido a minha vida.
(aos leigos: dificilmente um baixa visão manterá contato pupila com pupila – até hoje recebi este presente 2 vx na vida, aos 6 meses e aos 12 meses)
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 “E agora, como prometido, aqui vai o meu segredo. De fato, é um segredo bem simples: é somente com o coração que podemos ver corretamente; o essencial é invisível aos olhos.”