Olhe com gentileza. Inclua sem julgamento

Eu percebi esses dias, de repente eu parei de me incomodar com o estrabismo do Miguel ou com o fato dele não olhar dentro dos meus olhos para conversar. Há alguns meses atrás estava fixada nisso.
Percebi que isso aconteceu a medida que também fui amadurecendo e vencendo minha fase de luto. Falei dela aqui. Acho que cheguei finalmente na aceitação completa da deficiência dele.
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Mas, ser mãe de uma criança com deficiência é diariamente conviver com a descoberta inicial de outras pessoas sobre a deficiência do seu filho. E sabemos, o diferente causa estranheza. Mas, em alguns casos, as reações são tão exageradas ou significantes, que elas nos tomam pela mão e parecem nos levar lá para o primeiro dia em que recebemos a notícia da deficiência. Elas nos fazem lembrar de que temos uma condição diferente.
Ser mãe é viver numa montanha russa de emoções, ser mãe de uma criança com deficiência é viver na maior delas.
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Esse da foto abraçando o Miguel é o Pietro e essa é uma história bonita.
Pietro apareceu na praia e veio brincar conosco, vidrado na boia amarela do Miguel.
Lá pelas tantas o Pietro soltou:
O MIGUEL É CEGO?
Por quê Pietro?
É porque ele não me olha nos olhos.
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Para você que me lê agora, isso pode parecer simples. Para nós foi um “baque”, é o atestado de que a deficiência está clara, escancarada, perceptível. Até o Pietro viu. E não há problema algum nisso, nem se ele realmente fosse cego, minha admiração total as mamães de crianças cegas que me leem aqui.
É que no momento que uma pergunta dessas acontece, nos lembramos de que a condição existe. De que o diferente causa estranheza, dúvida e o que sempre temi, causa também julgamento.

Não do Pietro, ele perguntou isso porque tinha visto uma vez na vida uma velhinha cega que não o olhava nos olhos também e então ele fez a associação, mas sabemos que tem muta gente experiente que se incomoda com o diferente.

Como um senhor de uns quase 70 anos que quase tropeçou na areia de tanto que se virou pra reparar no Miguel porque ele estava de tampão.

Nos faz lembrar que ainda temos que enfrentar muita gente que “olha” pro deficiente com olhos de sentença, que não acredita e não enxerga todo potencial possível naquele ser humano.

Ei, nós estamos aqui e temos sentimentos e não queremos nos sentir estranhos. Como a mãe do cadeirante também não quer, como a mãe do cego também não quer, como a mãe do surdo também não quer…

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Reparar na deficiência alheia requer gentileza no olhar, se interessar verdadeiramente por ela é perguntar a pessoa  se precisa de ajuda ou a melhor forma de atende-lo por exemplo ou perguntar a mãe da criança o que é necessário para inclui-la na brincadeira.
É levar seu filho “normal” a um lugar reservado ou quando chegar em casa e ter uma conversa sincera sobre as diferenças existirem, as limitações existirem, mas que elas existem para todos, deficientes ou não. Que não tornam ninguém melhor ou pior, que o dever do “normal” é pensar numa solução pra todo mundo poder brincar.
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O Miguel se esforçou pra olhar Pietro nos olhos, o Pietro cuidou cada segundo do Miguel no mar. E na hora de ir embora o Miguel passou as mãozinhas por todo rosto do Pietro pra guardar bem a “cara” do amigo. E o Pietro entendeu, que só se vê bem com o coração mesmo.

O que ele enxerga?

Eu não sei. Me perguntam sempre. E não saberemos até ele mesmo nos contar.

Talvez essa seja uma das maiores dificuldades desta jornada, passamos os dias imaginando, supondo, testando. Mas aprendi e bem no começo desta caminhada, que é também aí que mora a incrível beleza de conviver com uma deficiência: eu me emociono com TODOS os detalhes, com TODAS as pequenas percepções, com TODAS as pequenas conquistas. Pra mim nada é pouco, tudo é novo, tudo é conquista.

Uma das primeiras coisas que ouvimos é que não existe nenhum baixa visão igual ao outro, não é uma deficiência que segue padrões, é quase como uma identidade própria do portador.
Há visões bem comprometidas, outras nem tanto, mais tubolares, mais periféricas….
Aqui dois termos passam a fazer parte da sua vida:

  1. Resíduo visual: é o que existe de visão, o que sobrou no momento da perda. A estimulação visual serve para ensinar e auxiliar o deficiente a utilizar esse resíduo da melhor maneira possível, para que tenha qualidade em mobilidade, atividades básicas do dia a dia,  ler e escrever etc.
  2. Acuidade visual: ou simplesmente a sigla AV, é a aptidão do olho para distinguir os detalhes espaciais. É a capacidade de identificar a forma e o contorno dos objetos.
    A acuidade visual pode ser medida mostrando-se objetos de tamanhos diferentes ao paciente e que se encontram a uma mesma distância do olho. A forma mais correta para medir a acuidade é no consultório oftalmológico, e utiliza-se, normalmente, a “Tabela de Snellen” (ainda estou aprendendo sobre isso, acho um pouco complexo, mas é essa tabela que define  em números absolutos a % de visão).
    Ainda não podemos fazer isso, pois Miguel é muito pequeno e não tem nível suficiente de concentração e interação.

*Pessoas com, por exemplo, Miopias, que ao utilizar óculos ou lentes de contato veem nitidamente, NÃO TÊM BAIXA VISÃO. A baixa acuidade visual ocorre quando o nível de visão, mesmo com a melhor correção óptica permanece inferior ao considerado “normal”.

Nossas percepções:
Não se ganha visão, mas se desenvolve habilidades com o que se tem. O fato é que talvez, no fundo do meu coração, eu discorde disso.
No começo de tudo Miguel nem piscava, não percebia nada vindo em sua direção. Hoje faz coisas incríveis. Já sentimos bastante dificuldade em perceber coisas de perto, quase sempre de longe (e sinto isso melhorando muito), muitas vezes é difícil distinguir rostos e evidente é: não consegue fixar o olhar por mais de 5 segundos, tem mais visão no olho esquerdo do que direito, aproxima os objetos bem próximo dos olhos para compreender detalhes, há um estrabismo em progressão principalmente no olho direito (e é isso que temos nos concentrado em corrigir nesse momento) – há um fato interessante  e preocupante aqui. Se há um olho que “enxerga” mais que o outro e isso duplica imagens ou prejudica a nitidez e noção de profundidade de alguma forma, naturalmente o nosso cérebro entende que deve “desligar” o olho não bom e nesse caso se perde a visão deste olho. É preciso trabalhar principalmente com tampões para estimular que os dois olhos trabalhem sozinhos.

Tenho procurado “experimentar” o que o Miguel sente.
Me emocionei na primeira que coloquei um tampão. Isso é ruim, incômodo, dói na pele, prejudica a noção de profundidade, a estabilidade e segurança. Mas força ao máximo a necessidade de concentração e foco, algo que temos que trabalhar muito. Ser mãe de um baixa visão é também uma lição diária de auto controle. Qdo coloquei o tampão me desesperei, comecei a chorar e pensar “meu deus meu deus q difícil é pro Miguel enxergar” e fiz toda aquela projeção de um futuro sombrio. Mas, o que ele enxerga? O que enxergará? Só no futuro ele nos dirá. Até lá a gente vai tentando adivinhar e o ajudando a driblar toda e qualquer dificuldade.

Mamãe com tampão no olho

Hoje testei algumas possibilidades, podes clicar em cima pra ver.

Um toque vale mais do que mil olhares <3

No nosso caso: Um toque vale mais do que mil olhares . Miguel fazendo cuca com a mamãe no dia do seu batizado. ——– Experimente vendar os olhos e fazer a atividade mais básica como escovar os dentes, por exemplo. Coloque -se no lugar no outro, exercite sua compaixão. Vais ter uns 100 anos de evolução espiritual a frente.

 

O que é um baixa visão?

 

“Ele tá com sono? “, “ele está dormindo?”, “mas ele não me olha..”.
Frequentemente ouvimos frases como essas, até em situações em que o Miguel está super ativo e brincando, por exemplo. 🙈
Sou um ser humano normal e munida do meu senso de “não fala mal do meu filho” isso já me incomodou muito. É nessas horas que a gente se lembra do que diariamente “esquecemos”. O Miguel é deficiente visual.
Como tudo na vida acontece com a evolução das experiências, eu pude parar e refletir que ninguém faz isso por mal, ninguém faz nem ideia do que é um baixa visão. Eu mesma nunca tinha ouvido se quer falar disso até virar mãe de um. No Brasil são quase 7 milhões.
Dizemos que uma pessoa tem visão subnormal ou baixa visão quando apresenta 30% ou menos de visão no melhor olho, após todos os procedimentos clínicos, cirúrgicos e correção com óculos comuns, em muitos casos, como no nosso, não há , até o momento, nenhuma alternativa de correção. Não, ele não vai usar um óculos que deixa tudo bem. *

Ter baixa visão significa ter dificuldades de ver detalhes no dia a dia. Por exemplo, veem as pessoas mas não reconhecem a feição; as crianças enxergam a lousa, porém, não identificam as palavras; no ponto de ônibus, não reconhecem os letreiros. Há casos bem piores, outros nem tanto. Não existe nenhum baixa visão igual ao outro. No caso do Miguel acreditamos que o campo visual com detalhes é mais periférico e por isso ele olha pra baixo em boa parte do tempo ou aproxima os objetos bem pertinho do olho. Ele está analisando, não dormindo. 😄
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Acho importante falar sobre isso, para tirar o medo, preconceito ou receio de falar, agir, lidar com um deficiente visual, sobretudo os cegos.
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Aqui você pode ver umas dicas bem legais de como, inclusive, ajuda-los da maneira correta: https://www.fundacaodorina.org.br/a-fundacao/deficiencia-visual/o-que-fazer-quando-encontrar-uma-pessoa-cega/

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 #pracegover: Miguel no colo da mamãe com olhar direcionado para baixo.