Diagnóstico não é sentença.

Aos prantos hoje pela manhã o Diego (meu marido lembrou) ” faz 1 ano hoje Lê, 1 ano que aquela médica me disse que nosso filho não enxergaria nada.”

1 ano depois e (achamos) nosso filho enxerga quase tudo. Vocês podem imaginar como um diagnóstico mal dado, falado, comunicado, sobretudo mal pensado pode afetar o outro? Isso virou uma cicatriz na alma do meu marido, 1 ano depois isso ainda o magoa, ainda é um machucado aberto que se a gente cutucar vai sangrar.

Em 1 ano e 3 meses de Miguel tenho diversas cicatrizes em meu coração, passamos também maus momentos em uma UTI,  graças a Deus também tenho memória seletiva, procuro focar mais nos bons momentos e também detesto o papel de vítima, de coitadinha ou qualquer outro lugar confortável que faça me parar de agir. Mas, hoje já não julgo quem não consegue sair, não é fácil. Ter ouvido de formas  horríveis o que ouvi me ensinou a ter mais compaixão pela dor do próximo.

O fato é que cada diagnóstico traz consigo uma série de dúvidas, medos e sobretudo consequências.

“Seu filho não vai enxergar nada ou no máximooooo 20%” – Não vai enxergar nada, como assim? Que é que significa nada? 20% é bom, ruim? Meu deus – bloqueio mental você simplesmente não sabe o que fazer. Sou igual a maioria: achei que não existia vida para cegos.

“Seu filho tá com câncer, liga pra esse médico aqui lá em SP, vai lá ver ele, custa uns 1500 a consulta”. Câncer? Como assim, nenê tem câncer? Mas, meu deus…. segue para bloqueio mental, vcs não fazem ideia do que é ouvir isso.

Aos berros num corredor de hospital, quase como se fosse na feira: “nãooo é câncer não, próxima criançaaa”. Não? O que que é então? “Faz teste de zyka vírus” ZYKA VÍRUS? Pqp… você chora pela graça inicial alcançada, desaba pelo próximo medo.

“Ele enxerga, mas vai ter baixa visão.” Mas, o que é baixa visão….”é visão pra ter nível de vida”. ????

E nunca, até hoje, 16 médicos depois, houve um médico que pode dar 5 minutos de atenção e me explicar o que é, porque, o que fazer, possibilidades, experiências, o que esperar, o que NÃO esperar…pra onde seguir. Recentemente encontrei isso numa médica fora do país, mas porque eu já era uma “paciente” diferente, munidade de muito conhecimento, preparada e exigente sobre as respostas que queria. Mas, quem é que sabe o que perguntar quando nunca ouviu falar sobre o que se tem?

*

Em minha primeira reunião com outros pais que também tem filhos com deficiências visuais, muitos deles totalmente cegos, relatei como chegamos perdidos no Centro de Apoio em que fazemos estimulação visual e como chegamos lá por acaso, pois além de recebermos um diagnóstico mal dado, ele não foi acompanhado de nenhuma orientação de como seguir em frente. Foi unânime, todos os pais ali começaram a abrir seus corações e muitos após 7, 8, mais de 10 anos depois de receberem diagnósticos mal dados os relatavam com dor, raiva…mágoa.

Coloco me no lugar dos médicos, tentei por diversas vezes entender o outro lado, a necessidade de não se envolver, mas não posso compreender como em 2017 um ser humano que trata e cuida de outros seres humanos ignore o impacto de aspectos psicológicos sobre o rumo de qualquer doença ou diagnóstico.

Vocês sabiam que diversos pais simplesmente não aceitam a deficiência dos filhos e seguem uma vida sem ajuda-los a desenvolver seus potenciais? Que sentem vergonha e muitas vezes são nas classes mais altas que isto grita ainda mais?

Que deixam as crianças num canto sozinhas, dentro do berço, escondidas em casa. “Ele não enxerga mesmo”.

Que nunca procuraram alternativas pelo simples fato de tão terem o conhecimento necessário para ir atrás disso?

E se tudo isso começa numa consulta médica, como, como pode um médico não medir suas palavras, não procurar o caminho do amor, da compaixão e sobretudo, como pode um médico ignorar uma cadeia tão grande de apoio que existe dentro das terapias ocupacionais, que podem ajudar tantas pessoas a seguirem em frente com mais qualidade de vida quando a medicina tradicional não pode fazer nada? ou quando pode, mas coloca o paciente num cenário bem duro e penoso como em tratamentos longos e complicados?

A deficiência do Miguel me trouxe contato com diversas outras mães que lutam com outras deficiências muito mais complexas, e ouvi de muitas delas de que boa parte da dor melhorou quando elas simplesmente encontraram um grupo no Facebook de mães que estavam passando pelo mesmo.

Então, se você é médico e chegou até aqui, e quer fazer a diferença, se informe sobre a rede de apoio que existe em torno dos problemas que você precisa comunicar. E informe seu paciente. Faça o exercício diário de imaginar o que é voltar para casa e dormir a primeira noite com o diagnóstico que você está dando. E o que é viver a vida inteira. Você trabalha pela vida, não é mesmo?

Aqui eu gostaria de agradecer a nossa querida pediatra Amanda Ibaggy. Esteve conosco nos momentos mais dificies desta jornada e ainda me lembro de quando eu não me contive e chorei muito no seu consultório, então eu pedi desculpas e ela disse: eu posso te dar um abraço? E ela me deu o remédio que eu estava precisando naquela hora. Por todo seu amor e compaixão, obrigada.

Setembro de 2016

Setembro de 2016: voltando com as pupilas dilatadas da nossa primeira consulta oftalmológica.